O relatório, publicado na quarta-feira na revista Nature, vem três meses depois que os pesquisadores publicaram uma versão inicial do estudo que provocou uma tempestade na mídia, bem como confusão sobre quem, exatamente, financiou o trabalho e se exigia maior supervisão do governo.
Em um experimento de laboratório, os pesquisadores combinaram a proteína spike de uma linhagem inicial de omicron com a espinha dorsal da cepa original que surgiu em Wuhan, na China. O trabalho, embora não seja significativamente diferente de vários outros experimentos, chamou a atenção da mídia e gerou temores de que tal manipulação do coronavírus pudesse desencadear uma variante mais perigosa.
Os defensores do trabalho afirmam que esse experimento era bastante rotineiro para a pesquisa de patógenos, que geralmente envolve a criação de vírus “recombinantes” que imitam o que acontece na natureza. O experimento foi conduzido por pesquisadores usando várias camadas de equipamento de proteção dentro de um laboratório de nível 3 de biossegurança no ultrasseguro Laboratório Nacional de Doenças Infecciosas Emergentes da universidade.
O objetivo de criar esse vírus “quimérico”, que os cientistas apelidaram de Omi-S, era tentar entender qual das mutações no ômicron poderia ser responsável por torná-lo aparentemente menos patogênico – ou seja, menos propenso a criar doenças graves – do que a estirpe original.
O vírus quimérico cresceu como omicron em culturas de células. Omi-S acabou por ser apenas um pouco menos patogênico em camundongos do que a cepa ancestral, com 80% de mortalidade em vez de 100%. Ainda era mais mortal que o omicron.
A pesquisa mostrou que a proteína spike altamente mutante do omicron desempenha um papel em tornar a variante menos patogênica do que a cepa ancestral. Mas o comportamento do Omi-S sugeriu ao pesquisador principal Mohsan Saeed, professor assistente de bioquímica na Universidade de Boston, e outros coautores do estudo que deveria haver algo mais contribuindo para o fenômeno.
Os pesquisadores continuaram experimentando e agora afirmam ter encontrado pelo menos uma peça que faltava no quebra-cabeça: uma mutação envolvendo uma proteína chamada nsp6.
Ao contrário da proteína spike cravejada na superfície do coronavírus, nsp6 é uma proteína “não estrutural”, como o próprio nome sugere. Os pesquisadores apontam que muitas proteínas codificadas pelo SARS-CoV-2 não fazem parte do mainframe do coronavírus, mas interagem com o hospedeiro de maneiras muitas vezes misteriosas.
“A razão pela qual o papel é importante, é a primeira vez em que há outro gene codificado pelo vírus SARS-CoV-2 que está envolvido na patogenicidade”, disse Ronald Corley, presidente de microbiologia da Boston University Chobanian & Escola de Medicina Avedisiana.
“Isso representa uma proteína-alvo para a terapêutica”, disse Corley, que não é coautor do artigo, mas até recentemente era diretor do laboratório.
A pesquisa atraiu atenção generalizada em outubro, depois que Saeed postou uma versão inicial do estudo no servidor de pré-impressão bioRxiv, onde os cientistas colocaram milhares de rascunhos iniciais de suas pesquisas sobre o coronavírus antes da revisão formal por pares.
Críticos da pesquisa de patógenos há muito argumentam que o campo carece de revisões e supervisão de segurança adequadas e que alguns experimentos são arriscados demais para justificar qualquer aumento potencial no conhecimento. O experimento da Universidade de Boston foi visto como um exemplo de pesquisa de “ganho de função”, na qual um vírus é manipulado de forma a torná-lo mais transmissível ou mais patogênico.
Corley e outros defensores do experimento argumentaram que ele realmente tornava a cepa ancestral menos mortal em camundongos.
Para complicar o debate, havia a incerteza sobre se os Institutos Nacionais de Saúde haviam financiado o experimento. A versão original pré-impressa citava o NIH como uma das fontes de financiamento, mas a universidade disse que a pesquisa foi feita de forma independente. Um porta-voz do NIH confirmou posteriormente que a agência não financiou o trabalho.
Robert F. Garry, um virologista da Universidade de Tulane que não fez parte do estudo, disse em um e-mail que mais pesquisas sobre o nsp6 devem ser feitas para entender seu significado. Ele também rejeitou os temores de que tal pesquisa seja muito perigosa.
“Apenas o fato de ter passado pela revisão por pares deveria alertar a todos para o fato de que as ‘preocupações’ anteriores eram exageradas e alarmistas”, disse Garry.
Os Institutos Nacionais de Saúde encarregaram um conselho de revisão de biossegurança no início do ano passado de revisar todas as diretrizes e protocolos de pesquisa sobre possíveis patógenos pandêmicos, bem como o que é conhecido como “pesquisa de uso duplo preocupante”, na qual a pesquisa destinada a beneficiar humanos a saúde também pode ser armada.
O conselho de biossegurança sinalizou que irá recomendar a ampliação da definição de experimentos que requerem revisão especial. O conselho divulgará seu relatório nas próximas semanas, de acordo com o NIH.